Em plena crise fiscal e com o município enfrentando cortes de despesas para tentar contornar os rombos herdados da gestão anterior, a Câmara Municipal de Taubaté autorizou, nos últimos dias, novas viagens de vereadores a Brasília. Os deslocamentos, aprovados em plenário e respaldados por justificativas formais, têm como objetivo a participação dos parlamentares em agendas institucionais com ministérios do Governo Federal. Os requerimentos falam em tratar de temas importantes, como reindustrialização, saúde pública, emprego e políticas de inclusão. No entanto, os custos associados — passagens aéreas, diárias de hospedagem e uso de recursos públicos reacendem o debate sobre a real necessidade, efetividade e pertinência dessas viagens.
Entre 29 de maio e 6 de junho de 2025, foram autorizados mais de 20 mil reais em despesas com passagens e hospedagens. Apenas no dia 29 de maio, 53 diárias foram emitidas, totalizando R$ 6,3 mil. Em apenas uma semana, esse montante mais que triplicou. A justificativa é o atendimento de convites para reuniões com os ministérios da Saúde, Trabalho, Indústria e Educação.
Ausência na audiência pública da LDO levanta questionamentos
Ocorreu em Taubaté a audiência pública da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), uma das etapas mais importantes para o planejamento do orçamento do município. Dos 19 vereadores, apenas dois compareceram: Vivi da Rádio (Republicanos) e Ariel Kratz (PDT).
A LDO é um instrumento fundamental da gestão pública. Em linguagem simples, ela é como um “guia” que define quais são as prioridades da Prefeitura para o próximo ano. É a partir dela que o orçamento é elaborado, indicando onde o dinheiro deverá ser investido como saúde, educação, infraestrutura, limpeza urbana e segurança. É justamente nessa audiência que a população têm a chance de participar e opinar sobre o que considera mais necessário. Por isso, a presença dos vereadores é vista como essencial. A ausência da maioria dos parlamentares nesse momento estratégico reforçou as críticas à prioridade dada às viagem em detrimento da participação efetiva em decisões fundamentais para o futuro financeiro da cidade.
Função institucional ou ativismo político?
A polêmica se intensifica quando se considera o papel constitucional do vereador, que é legislar em nível municipal, fiscalizar o Poder Executivo local e representar os interesses da população no município. Não cabe ao Legislativo municipal a execução de políticas públicas, tampouco a formalização de convênios com a União, atribuições exclusivas do prefeito e seus secretários.
Outro ponto questionado é a ausência de articulação com o Executivo municipal. Sem essa coordenação, mesmo que alguma proposta seja acolhida em Brasília, quem executaria a iniciativa localmente?
Sem o apoio direto do governo municipal, tais agendas se tornam meramente simbólicas, sem efeito prático. Além disso, especialistas e analistas políticos apontam que a interlocução com o Governo Federal pode ser feita por meios alternativos e menos onerosos, como videoconferências, e-mails oficiais e contatos telefônicos. Também é possível acompanhar agendas públicas de ministros e deputados, inclusive em visitas à região, como ocorreu recentemente em 23 de maio, com a presença do vice-presidente da República em Pindamonhangaba.
Histórico de abusos compromete a credibilidade
As críticas às viagens ganham ainda mais força à luz do histórico da própria Câmara. Dados de anos anteriores mostram um padrão problemático: entre 2017 e 2018, em um universo de 532 relatórios de viagens, foram encontradas 126 notas fiscais com irregularidades. Casos incluíam refeições para mais de uma pessoa em uma única nota, consumo incompatível com uma só pessoa (até 4,4 kg em uma refeição) e gastos considerados abusivos, com pratos de até R$ 424. A legislatura anterior (2017-2020) teve 13 dos 19 vereadores envolvidos em episódios similares. Um suplente também apresentou irregularidades. Na legislatura entre 2013 e 2016, o cenário foi ainda pior: todos os 19 parlamentares realizaram viagens com notas fiscais inconsistentes. Em 224 relatórios analisados, surgiram 299 notas com problemas, como refeições com até 6 pratos ou mais de 5kg consumidos por pessoa.
Esse histórico criou uma cultura de permissividade com o uso do dinheiro público, o que torna qualquer nova viagem um tema sensível diante da opinião pública. “Mesmo com respaldo legal, não se justifica moral ou economicamente”, diz um especialista em contas públicas consultado.
Responsabilidade
Enquanto os vereadores se deslocam, a cidade segue tentando sanar os impactos da crise financeira que se agravou após a aprovação de projetos sem amparo constitucional, que ampliaram a folha de pagamento, além de aumentos de contratos que comprometeram o equilíbrio fiscal do município. Para muitos contribuintes, o problema não é apenas o custo das viagens, mas a falta de resultados mensuráveis. “Se é para buscar recursos, por que não fazer isso junto com o prefeito, que tem a competência legal para firmar convênios? Sozinhos, os vereadores não podem garantir nada”, comentou um servidor que preferiu não se identificar.
A Câmara alega que as agendas tratam de pautas prioritárias; no entanto, sem indicadores de retorno concreto, cresce o entendimento de que a prática se aproxima mais de uma “representação simbólica” do que de uma ação institucional eficaz. Em tempos de crise, os cidadãos cobram mais do que legalidade: exigem coerência, responsabilidade e respeito ao dinheiro público.
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